terça-feira, maio 12, 2009

O meu sonho "Tio Patinhas" já não se realizará...

Aqui há umas semanas, houve um grande jackpot no totoloto e, como sempre, há um ou dois pensamentos mais íntimos que me passam de fugida pela cabeça, alguns deles, restos de sonhos de infância alimentados por carradas de livros de desenhos animados. Incontornável, é o mergulho na "piscina" de moedas "à Tio Patinhas". Se me saíssem aqueles milhões todos, cometeria a excentricidade de mandar encher a sala de moedas só para dar umas "cacholadas" na "piscina à Tio Patinhas".

Pois bem, caí na real.

Um destes dias, ao ler o discurso do Doutor Pedro Arroja, proferido no 23º aniversário da UAL, dedicado ao tema "A Situação Financeira Actual", fiquei elucidado para a realidade; mesmo quealguma vez tenha o "jackpot", nunca chegarei a ver todas aquelas moedas juntas no chão da minha sala.

Aqui fica grande parte do discurso que me dei ao trabalho de transcrever à mão, por me parecer tão elucidativo quanto à situação actual mundial como aos motivos da mesma e às perspectivas futuras.

(esta transcrição e a sua publicação neste blog pessoal, com as devidas referências, foram comunicados tanto à Secretaria da UAL como ao Autor que não colocaram quaisquer objecções)

"Depois da Crise – a Situação Financeira Internacional Eu proponho-me … tratar do problema em três fases: A primeira, as origens desta crise. A que é que se deve esta crise, como nasceu? Quais os factores que para ela contribuíram? Em segundo lugar, o que é que a crise significa, qual o impacto que elaestá a ter e que vai ter na vida de todos nós? Como é que a crise se manifesta do ponto de vista financeiro, do ponto de vista económico e, por fim, do ponto de vista da nossa vida diária. E em terceiro lugar, perspectivar os efeitos que esta crise terá nofuturo. Como é que será o nosso futuro? Quer a nível internacional, quer do ponto de vista nacional, genuinamente português. Como é queserão, por outras palavras, os próximos dez anos? Começo pelo diagnóstico: esta crise que desabou sensivelmente neste ano de 2008 sobre toda a economia internacional, mas com os sinais maisfortes, os desencadeados nos Estados Unidos e, agora, na Europa Ocidental, representa a convergência de vários factores que se foram acumulando ao longo dos anos, alguns têm já décadas, e que estavam destinados, de algum modo e algum dia, a produzir uma crise conclusiva como esta. Por outras palavras, estes factores estava destinados a juntarem-se como uma intensidade tal que a crise seria inevitável e possuindo grande intensidade. E esse dia chegou neste ano de 2008, com maior intensidade a partir de Setembro, inicialmente nos mercados financeiros, as bolsas caíram, entretanto, entre 40 a 50% - algumas até mais - mas as bolsas são mecanismos de desconto, elas antecipam aquilo que vai acontecer na chamada Economia Real: no nível de emprego, no PIB, nas empresas, etc. Esta segunda ordens de efeitos, os efeitos propriamente económicos, esses estão ainda no início. Estão agora a produzir-se já com maior intensidade, como é normal, nos Estados Unidos, tendo uma economia mais flexível normalmente dá também os primeiros sinais, e em segundo lugar, na Europa sob a forma do desemprego acrescido, sob a forma de dificuldades acrescidas de crédito, etc. Os dois principais factores que contribuíram para a crise são muito antigos e ocorreram em 1971, portanto há 37 anos. Foi a suspensão da convertibilidade do dólar em relação ao ouro e a alteração que então seproduziu no arranjo que tinha saído da 2ª Guerra Mundial e que era conhecido como o sistema de Brentton Woods, tratando-se do sistema monetário criado em 1946 com o acordo dos principais países, incluindo Portugal, e que basicamente consistia no seguinte: o dinheiro ou notas que nós utilizamos, no nosso caso era o Escudo, no caso dos Americanos, o dólar, só poderia ser emitido em exclusivo pelos respectivos bancos centrais.

No caso dos Estados Unidos, contra o ouro, quer dizer, o Banco Central Americano, chamado Reserva Federal, punha dólares cá fora guardando ouro, e isso significava que o montante de dólares que estava em circulação, nos Estados Unidos e no resto do mundo, tinham o correspondente valor em ouro nas reservas federais que eram mantidas no forte Knox.

Todos os outros países (Alemanha, Espanha, Portugal, etc.) emitiam as suas notas guardando as correspondentes reservas ou em ouro ou em dólares. O sistema funcionava, portanto, em última instância baseado no ouro: todas as notas que estavam em circulação tinham em última instância uma correspondência no ouro.

No caso dos dólares, essa correspondência era imediata. Quanto às outras moedas - como o escudo - uma vez que eram emitidas ou contra o ouro ou contra dólares, e os Bancos Centrais dos respectivos países podiam pedir à Reserva Federal americana a sua conversão em ouro, verificava-se que a emissão de notas por todo o mundo estava em última instância baseada no ouro.

A partir de 1960, e sobretudo com a administração Kennedy, os americanos decidiram adoptar políticas económicas expansionistas para aumentarem o nível de vida da sua população. Uma das mais célebres foi a chamada "Regulation Q", em que as taxas de juro eram fixadas arbitrariamente por lei abaixo daqueles que seria o seu valor de mercado a fim de permitir aos cidadãos americanos tomar mais facilmente dinheiro de empréstimos para comprarem casas, automóveis, enfim, melhorarem o seu nível de vida.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estavam a financiar a Guerra do Vietname com pura expansão monetária. A primeira política levou a que muitos dólares acabassem na Europa, porque quem os tinha podia aplicá-los nos Estados Unidos, onde as taxas de juro eram artificialmente baixas, ou então podia aplicá-los na Europa, nos bancos, em depósitos, em obrigações dos Estados europeus, que davamrendimentos mais elevados (as taxas de juro eram mais elevadas). Então,um grande fluxo de dólares foi correndo nos finais dos anos 60 para a Europa, sobretudo para a Alemanha. Os bancos alemães recebiam esses dólares, trocavam-nos no seu Banco Central por marcos, porque, naturalmente, conduziam os seus negócios em marcos e não em dólares. O resultado foi uma acumulação extraordinária de dólares no Banco Central alemão, que culminou em 1961. Cumprindo as regras do sistema Brentton Woods, o Bundesbank pediu ao Banco Central americano que convertesse os dólares em ouro. Por outras palavras: "tomem lá os dólares e enviem ouro". Foi nessa altura que o Presidente Nixon se recusou a fazê-lo.

Os americanos tinham, de algum modo, violado as regras do sistema, tinham andado durante os anos 60 a emitir mais dólares do que o ouro que tinham em reserva, para lhes fazer face, obviamente sem dizer nada a ninguém. Quando finalmente tiveram de revelar que não tinham ouro suficiente para converter os dólares na posse dos europeus, sobretudo dos alemães, que assim o reclamavam, quebrou-se o vínculo da emissão monetária ao ouro. Cada Banco central passou a emitir as suas notas contra nada.

  O ouro perdeu o seu carácter monetário e a emissão monetária passou a fazer-se contra título de dívida pública. O Banco Central emitia notas, comprando títulos de dívida do estado, porque entretanto todos os Estados estavam em défice, precisando de dinheiro para se financiar. Basicamente, os Estados nacionais passaram a ir ao Banco Central, recebiam as notas, que eram produzidas pela máquina impressora, e entregavam declarações de dívida em troca.

Em suma, as notas passaram a estar garantidas por papéis.

Esse foi o primeiro factor.

O segundo, e decisivo factor, ocorreu no sistema bancário comercial.

Esta crise financeira começa por ser uma grande crise na banca e o segundo factor ocorre de forma paralela do seguinte modo: o negócio de um banco comercial, basicamente, é o de aceitar depósitos, guardar como reserva uma parte dos depósitos - eu vou supor que são 20% - e emprestar o restante. E o juro que cobra sobre os restantes, sobre os 80%, dá-lhe para pagar o juro que paga aos seus depositantes, que é mais baixo, deixa-lhe um diferencial, e é nesse diferencial que os bancos cobrem as suas despesas de funcionamento e geram um lucro. Evidentemente que um banco se torna mais lucrativo quanto menor for a taxa de reservas que tem de manter nos depósitos.

Se esta taxa for de 20% e esta taxa é fixada por lei, o banco pode emprestar 80% dos depósitos. Mas se a taxa for apenas de 5%, o banco pode emprestar 95% dos depósitos e, portanto, cobrar juros de 95% dos depósitos e ter mais lucros.

Existe, portanto, no sistema concorrencial e livre da banca, um incentivo a que, a prazo, as taxas de reserva que os bancos mantêm sobre os depósitos tendam a diminuir. E embora essas taxas sejam fixadas por lei, é inevitável que o sistema bancários e os banqueiros, com o tempo, tentarão influenciar os políticos para lhes permitir manter reservas sobre os depósitos ao nível mais baixo possível.

Antes de prosseguir, o ponto que quero evidenciar é o de que se todos os clientes forem ao banco ao mesmo tempo levantar os seus depósitos, o dinheiro não está lá. Na verdade, só lá está uma pequena parte para fazer face aos levantamentos normais.

Comecei por supor taxas de reserva na ordem dos 20% e, de facto, há 30 ou 40 anos essas eram as taxas de reservas que os bancos mantinham. Hoje as taxas de reservas para os países da zona Euro, incluindo Portugal, são fixadas pelo Banco Central Europeu, e são tão mínimas como 2%. É esse o montante que os bancos comerciais devem manter como reservas em relação aos depósitos - e só para depósitos à ordem -porque se forem depósitos a prazo as taxas são mesmo zero.

Por outras palavras: um depósito de cem pode ser imediatamente utilizado por um banco para um empréstimo de cem, o que cria uma situação muito curiosa. Basta que alguns clientes se agitem e vão ao banco reclamar os seus depósitos para que eles literalmente não estejam lá, o banco não tenha sequer um cêntimo desses depósitos e não lhe seja fácil - uma vez que os depósitos são aplicados em empréstimos a longo prazo, como o crédito à habitação - reaver esse dinheiro rapidamente para satisfazer os pedidos de levantamentos dos seus clientes.

Nalguns países, como a Grã-Bretanha, a taxa de reserva para todos os depósitos é zero, o que significa que os bancos podem emprestar literalmente tudo aquilo que recebem como depósitos, criando uma situação que pode ser dramática no caso de uma pequena quebra de confiança no sistema bancário, e que é a seguinte: basta que um pequeno número de depositantes, sobretudo se forem depositantes importantes para o banco, reclame o seu dinheiro para que ele não o tenha.

Esta é uma das características da crise financeira actual. Portanto, a redução das taxas de reserva obrigatórias, que nalguns países é zero, em Portugal como nos outros países da Zona Euro é praticamente zero, levou a uma situação em que qualquer abalo na confiança dos depositantes que os levasse ao banco em conjunto, mesmo num pequeno número, levantar os seus depósitos, produzirá um resultado inevitável: os bancos não tinham lá o dinheiro. Como é que surgiu esse abalo na confiança? Começou por aparecer em Setembro, com a chamada crise subprime.

O que foi a crise subprime? Basicamente, os bancos incentivados pelo processo da concorrência, têm interesse em emprestar, no limite, todo o dinheiro que recebem de depósitos.

E emprestá-lo a quem? Começaram por emprestar a clientes que tinham um bom ranking, clientes de baixo risco, ou pelo menos ricos, das classes alta e média-alta, que com elevado grau de probabilidade de que iriam pagar os empréstimos que estava a contrair. Empréstimo para comprar casa, às vezes para investir na Bolsa, para comprar automóvel, enfim, para os empréstimos que são concedidos pelas razões que nos levam frequentemente ao banco. Quando esse segmento de mercado dos clientes de baixo risco se esgotou, quando essas pessoas já tinham os empréstimos, e os cartões de crédito que queriam, a actividade bancária precisava de continuar a crescer.

Aos gestores dos bancos exigia-se, perante os olhos dos accionistas, que o negócio continuasse a crescer, que os números continuassem acrescer e então, tendo-se esgotado esse primeiro nível ou essa primeira massa de clientes, passou-se à segunda, àquela que já envolve algum risco. E quando se esgotar esta, o crescimento dos bancos passou afazer-se concedendo empréstimos àquelas pessoas que quem estivesse de fora podia razoavelmente dizer que essas pessoas não vão pagar os empréstimos que contraíram.

Existe em vídeo uma situação humorística descrevendo este processo: um negro do Alabama, nos Estados Unidos, está sentado à porta da sua barraca, desempregado, e um comercial de um banco passa e pergunta-lhe: "Olhe eu posso emprestar dinheiro para você fazer ou comprar casa." E ele muito admirado diz assim: "A mim? Que estou desempregado, já não tenho direito a nenhum benefício social, sou analfabeto e não tenho esperança de encontrar emprego, você empresta-me dinheiro?" E o banqueiro responde: "Empresto." É, evidentemente, a situação limite que um dia vai desembocar numa crise. Estes devedores de segunda qualidade (subprime) um dia vão deixar de pagar em massa os seus empréstimos aos bancos. E quando esse fenómeno aparecer nos jornais, que há empréstimos que os bancos concederam a clientes de alto risco que não estão a ser pagos, a próxima ideia que vem ao espírito do depositante é a de saber se o seu dinheiro está seguro.

E o passo seguinte é os depositantes começarem a correr aos bancos. E a partir do momento em que começarem a correr aos bancos, mesmo que as reservas fossem de 10%. rapidamente o dinheiro que os bancos têm para satisfazer os levantamentos dos depositantes fica esgotado. O restante, que representa a maior parte dos depósitos, está aplicado em empréstimos, muitos de baixa qualidade, outros de média ou alta qualidade, mas o facto permanece.

A partir deste momento, os bancos não podem honrar mais os pedidos de levantamento dos depósitos dos seus clientes. O banco está então numa situação de insolvência, se não mesmo de falência.

Este é o facto dominante desta crise financeira. A situação actual dos bancos é de insolvência generalizada. Se não fossem os Estados, a maioria dos bancos do mundo estava neste momento deportas fechadas e as pessoas estariam a fazer fila à porta de cada um para ver se conseguiam recuperar os seus depósitos. O que é que poderá acontecer a seguir, se as pessoas continuarem a fazer levantamentos e o estado, ele próprio, não tiver dinheiro suficiente para garantir os depósitos?

Neste caso só há uma solução: a emissão monetária. Porém, antes essa solução era fácil, bastando ao Estado ordenar ao Banco Central que emitisse notas por troca com títulos da dívida pública. Hoje porém, na Zona Euro, os Estados nacionais já não têm esse poder. Ele está agora com o Banco Central Europeu e exige uma solução concertada entre os Estados membros.

Eu penso que não chegaremos a esta situação extrema, embora exista já um país em que a crise, tendo em primeiro lugar confrontado os bancos, e tendo vencido os bancos, levou à intervenção do Estado. E, depois, o Estado foi incapaz de garantir os depósitos dos Bancos. Este país foi a Islândia, até ao ano passado o país mais desenvolvido do mundo. Portanto já não são só os bancos islandeses que estão em situação de falência técnica. Em consequência, a coroa islandesa desvalorizou mais de 50%.

Será que a crise vai vencer os Estados como aconteceu na Islândia?

Seria o pior dos cenários. Tal levaria a que os Estados tivessem que se concertar para emitir notas para injectar no sistema bancário em quantidade suficiente para permitir os bancos honrarem os depósitos dos cidadãos. O resultado seria uma hiper-inflação, mas penso que não é este o cenário mais provável.

O mais provável é o um cenário diferente e que se chama deflação.

Nenhum de nós provavelmente sabe, porque nunca a viveu, o que é umadeflação. Nós já vivemos períodos de inflação, em Portugal tem havido sempre inflação, seguramente desde que nós nascemos o que tem havido é inflação: aumento persistente dos preços. Nalguns períodos menos, como agora, noutros mais como nos anos 80 em que a taxa de inflação chegou a alcançar os 30%. O que nós não conhecemos ou vivemos é uma situação de deflação. Aconteceu a última vez em Portugal, como nos outros países daEuropa, durante os anos 20 e 30 e é uma situação de baixa generalizada e persistente dos preços, os preços caíram 20% entre 1925 e 1938.

A propósito dos anos 20 e 30, eu penso que a crise actual só em paralelo na Grande Depressão desse tempo e que será tão intensa ou mais intensa do que ela. A única diferença é que o nível de riqueza e desenvolvimento da sociedade é maior do que era na altura. Portanto, mesmo que o nível de vida baixe bastante, é provável que fiquemos ainda acima das condições de sobrevivência em que viveram os nossos antepassados dos anos 20 e 30.

Como é que se caracteriza esta crise?

Primeiro: a característica dominante é uma situação de deflação, é a falta generalizada de dinheiro líquido: notas. Quem tiver dinheiro, liquidez, notas ou depósitos à ordem ou a prazo em bancos estará bem.

Pelo contrário, quem não tiver liquidez ou dever dinheiro, empresas ou particulares, nos próximos anos estará em situação muito difícil. No caso das empresas, correm o risco de fechar as portas. Muitas empresas que viviam do crédito bancários, estão endividadas e neste momento os bancos estão eles próprios desesperados por dinheiro, não o possuem para emprestar - porque, no fim de contas, foram os empréstimos a fonte das dificuldades actuais. Todo o dinheiro que os bancos conseguem recuperar é para reconstituir as suas reservas, não para a concessão de crédito.

Os próprios bancos andam a pedir dinheiro, repito, não para emprestar mas para reconstituírem as suas próprias reservas, para fazer face aos levantamentos dos depósitos por parte dos seus clientes.

Portanto, a escassez de dinheiro será a marca principal desta crise. E como falta dinheiro, as pessoas não compram: não compram casas, não compraram roupas, não vão tantas vezes ao restaurante. Há um défice de procura, e a lei da procura e da oferta diz que quando a procura baixa os preços tendem a baixar.

Portanto, o que vai caracterizar os próximos anos é a queda generalizada dos preços. Já neste momento, os preços ainda estão a subir mas o ritmo já desacelerou. Continua a haver uma subida de preços, uma inflação, que é neste momento de 1 a 2%; em breve nós teremos descidas dos preços: a desinflação relativa ou deflação: vão cair os preços das casas, das refeições, vai cair o preço dos automóveis, vai cair o preço de tudo, incluindo os salários, que são opreço do trabalho.

O próprio poder dos sindicatos de nada valerá à queda dos salários, porque a alternativa é o desemprego. Uma empresa, vendendo um produto cujo preço baixa continuadamente, não pode manter os salários no mesmo nível, sob pena de ir à falência. Baixa dos salários e desemprego serão duas consequências da crise.

E quanto ao nível das taxas de juro? Vai baixar. É provável até que dentro de um ou dois anos as taxas de juro sejam quase zero, mas ainda assim os bancos não emprestam dinheiro, pela razão que já referi, a de todo o dinheiro que os bancos recuperem ser para refazer as suas reservas, ao mesmo tempo que o público está tão endividado e com tanta dificuldade em pagar os empréstimos que já contraiu no passado, que mesmo com as taxas de juro próximas de zero não desejará endividar-se mais.

Portanto, as consequências principais da crise são escassez de dinheiro; quebra generalizada dos preços; queda generalizada dos salários; quedas das taxas de juro, mas ainda assim concessão muito difícil de crédito por parte dos bancos, e muito pouco desejo do público e das empresas para se endividarem ainda mais; aumento do desemprego; e queda continuada das Bolsas.

Na minha opinião a crise pode durar entre cinco a dez anos.

No caso da Bolsa, aquilo que ela caiu no último ano, praticamente para metade, não será recuperado nem no prazo de dez anos. É possível ter uma ideia utilizando a Bolsa de Nova Iorque da década de 30; ela atingiu o máximo em 1929, antes do grande Crash, mas só voltou a atingir o mesmo nível 25 anos depois, em 1954. Hoje as coisas são mais rápidas: os mecanismos que as economias possuem, em parte por causa da revolução tecnológica da informação, permitem ajustamentos mais rápidos. Se naquela altura demorou 25 anos, eu estou convencido que a crise actual durará pelo menos dez.

O que é certo é que os próximos anos vão ser muito difíceis, não especialmente para Portugal; vai ser assim para todos os países do mundo. Também assim para Portugal, talvez um pouco mais difícil, porque as condições em que a crise apanhou o país foram também relativamente desfavoráveis face aos outros países da Europa. Tratarei no entanto, mais adiante, a situação portuguesa.

Em relação à crise actual, se quisermos por numa outra perspectiva, é possível dizer que andámos a sobre consumir ao longo de muitos anos,com dinheiro que era produzido do nada, com crédito fácil. Comprámos casas, às vezes a segunda casa, comprámos automóveis, fizemos muitas viagens, utilizámos muitas vezes o cartão de crédito, andámos todos, o mundo inteiro, a viver acima das nossas possibilidades. Agora vamos passar para um período em que vamos pagar a factura e vamos ter de nos ajustar à realidade.

Esses ajustamentos são normalmente dolorosos, vão passar por uma revolução generalizada do nosso nível de vida, através de mais desemprego, redução dos salários, etc. Portanto, vai ser um período apertado, quer para as famílias, quer para as empresas, quer para o Estado.

Gostaria no entanto de retomar a analogia com a Grande Depressão, porque, de facto, esta situação só encontra paralelo na Grande Depressão dos anos 20-30 e no Japão nos últimos 20 anos. Eu vou no entanto regressar à Grande Depressão porque a situação recente do Japão foi um caso isolado, ao passo que a Grande Depressão foi global, como a actual está a ser, atingindo a América e a Europa mas agora propagando-se a todos os outros países.

Nada se vai salvar da baixa generalizada dos preços, incluindo as matérias-primas e o petróleo. Os preços de todos os bens já caíram e vão continuar a cair, e os próximos dois anos vão ser muito mais difíceis do que 2008. Em particular, para todo o mundo, 2009 vai ser muito mais difícil do que 2008 porque só agora os efeitos da economia real começam a revelar-se no desemprego, nas dificuldades de financiamento das empresas, no aumento da despesa pública especialmente despesas sociais, como os subsídios de desemprego.

Eu gostava, no entanto de mencionar uma outra faceta da Grande Depressão que julgo que num grau menos intenso vai ocorrer também agora, na realidade já está a ocorrer. É que as dificuldades dos anos 20 e dos anos 30 foram acompanhadas em todos os países da Europa ocidental de um desprestígio das instituições democráticas que levaram ao poder soluções menos democráticas, caracterizadas pelo autoritarismo. Salazar chegou ao poder como Ministro das Finanças logoem 1926, e como Primeiro-Ministro em 1932. Em Espanha ocorreu aditadura, primeiro de Primo de Rivera, nos anos 20, e depois de Franco nos anos 30. Em Itália surgiu Mussolini e, na Alemanha, Hitler chegou ao poder em 1933. Estou convencido de que não voltaremos a soluções autoritárias dessa natureza. Mas seguramente que o desprestígio das instituições democráticas é também agora inevitável, porque elas também contribuíram para a crise actual. A crise não é só o resultado das forças do mercado e dos banqueiros. Os Estados nacionais também se endividaram enquanto puderam e encorajaram os bancos a conceder o crédito fácil para que a população ficasse feliz e os poderes democráticos se pudessem fazer eleger.

A crise não é só culpa dos banqueiros e do sector privado da economia ou do capitalismo. É também culpa da democracia. Também aqui foram necessários dois, como normalmente é o caso, foram necessários dois para dançar o tango um sistema económico altamente flexível e também um sistema político que encorajava o facilitismo da concessão de crédito e de que ele próprio dava o exemplo sobre endividando-se – todos os Estados nacionais estão endividados. E através dos seus Bancos Centrais, que sempre foram instituições públicas – produziram dinheiro em excesso, literalmente, produziram dinheiro a partir do ar.

Portanto, a crise não é só do capitalismo, como nos anos 20 e 30 não foi só uma crise do sistema económico. É também uma crise da democracia, como foi na altura, e isso pagou-se, em parte, ou com interrupções da democracia ou com regimes democráticos bastante mais autoritários. Não é de excluir que o mesmo possa acontecer agora.

Em relação a Portugal, nós temos uma grande dificuldade em fazer reformas… A razão é antiga; quando se deu a Reforma Religiosa do século XVI, Portugal e Espanha alinharam ao lado da Contra-Reforma. Portanto, os portugueses são é especialistas na contra-reforma, a boicotar reformas e não propriamente a fazer reformas. E muitas das reformas de que nós permanentemente falamos e nunca realizamos, como a reforma da Administração Pública, a reforma da Segurança Social, a reforma da Justiça, resultam parcialmente da natureza anti-reformista da nossa cultura.

Eu penso que a alteração económica e social que a crise vai trazer, vai produzir precisamente essas reformas no sistema político e nas instituições – a reforma dos partidos, por exemplo – de que se fala em Portugal há muito tempo e nunca foi feita. Em clima de estabilidade os portugueses nunca fizeram reformas. As reformas em Portugal ou vem depois de transformações abruptas na sociedade ou vêm impostas de fora, como vieram as reformas económicas dos anos 90 – impostas pela União Europeia. De outra maneira, as reformas no país só vêm em períodos de crise e de alguma ruptura social.

Nos últimos sete anos, Portugal cresceu a uma taxa muito baixa: cerca de 1,5% ao ano, foi a média nos últimos sete anos, que nos estava a afastar de novos dos padrões da União Europeia, a qual em média estava a crescer 2,5% ao ano. Portanto, nós estávamo-nos a tornar, em termos relativos, mais pobres.

A crise apanhou Portugal nessa situação de fraqueza relativa e, portanto, corre-se o risco de, estando nós já numa pequena recessão ao longo dos últimos sete anos e a crescer menos que os outros países, agora que toda a economia internacional estagnou, Portugal fique aindanuma posição mais fragilizada.

E qual era a nossa principal fragilidade? O défice da balança de transacções correntes. E de que resulta esta situação? Do facto de Portugal ao longo dos últimos anos ter andado a importar mais do que aquilo que exportou, a viver à custa dos outros países e um dia os outros vão exigir a factura. Trata-se, em suma, de um problema de endividamento crescente do país face ao estrangeiro.

A economia portuguesa, em resultado da acumulação desses défices de transacções correntes e em resultado da acumulação dos défices do Estado, somou uma dívida considerável: uma parte é privada, somo nós portugueses que nas nossas decisões consumimos mais do que o que exportamos. Outra é dívida pública do Estado português, que endividando-se todos os anos, uma parte do financiamento vai buscar ao estrangeiro. Portugal tem hoje uma dívida externa enorme: cerca de 350 mil milhões de euros, cerca de duas vezes e meia o PIB português.

Desta dívida externa a maior fatia pertence aos bancos, a segunda ao Estado e o restante a grandes empresas.

Só para pagar os juros desta dívida externa é difícil, estando o país muito endividado. Quando uma instituição portuguesa se endivida no exterior para uma taxa de juros mais elevada que uma instituição alemã, por exemplo, porque as instituições portuguesas são devedoras menos fiáveis nos mercados internacionais. Existe, portanto, um spread da dívida portuguesa face à alemã que é cerca de 1,5%. Portanto, dentro da Zona Euro, Portugal encontra-se no grupo dos países mais fortemente endividados, e por isso vai sofrer mais. Numa situação internacional em que o crédito não abunda, ninguém está disposto a emprestar dinheiro facilmente e Portugal tem hábitos de consumo acima das suas possibilidades.

O que vai acontecer é que o choque vai ser maior para o país, nosentido de se ajustar à realidade. Ao ajustarmo-nos a viver às nossas possibilidades, nós eu temos andado a viver acima delas, vamos sofrer um choque duro. E esse choque, portanto, vai ser acompanhado por aqueles efeitos que já descrevi: desemprego, falências, emigração, que serão mais intensas em Portugal.

Eu gostaria, no entanto, de deixar uma palavra de esperança para nós portugueses. É que, embora a situação económica se revele bastante má nos próximos anos, os portugueses, de algum modo, desde há pelo menos 250 anos que estão habituados a viver em crise. É por isso verdade que os portugueses têm muito mais flexibilidade para lidar com crises do que têm os alemães ou os ingleses, menos habituados.

Portanto, os próximos anos, embora sejam muito difíceis, vão ser anos muito criativos em Portugal. Em particular, parece-me certo que é sob os efeitos da crise que Portugal irá fazer as reformas que não foram feitas no passado.

Portanto, o sistema económico e político acabará por se reformar para melhor sob a pressão das circunstâncias. Do ponto de vista económico, Portugal vai ter de encontrar maneiras de compensar esse desemprego acrescido, com maior criatividade. Os portugueses foram sempre melhores na adversidade, foram sempre mais criativos em períodos de crise e, portanto, eu olho para um futuro próximo, para os próximos dez anos, com grande curiosidade, grande estímulo e também pronto a participar naquilo que, na minha opinião, no meio das grandes dificuldades, vai ser um período enormemente criativo e vivo na sociedade portuguesa"

 

 

 

Por isto eu realizei que já não poderei cumprir o meu sonho de mergulhar "à Tio Patinhas" numa sala cheia de moedas... Poderei ter uma conta bancária com uns números jeitosos mas o dinheiro vivo, nem vê-lo.

Mas talvez isso me poupe algumas dores de cabeça inesperadas.  ;-)