Agora que estou numa fase de desenterrar o meu passado, por causa do processo RVCC, encontrei este texto já de alguns anos;
Tinha acabado de fazer uma dúzia de anos há pouco tempo. A minha Mãe suportava 3 empregos como “mulher a dias” e o orçamento familiar (Orçamento? Que palavra tão cara para aqueles tempos…) era muito apertado. Então, seguindo a tradição e os usos e costumes lá da aldeia, a minha Mãe começou a falar-me em trabalho. “Era para aprender a vida”, dizia ela. Não era castigo, não senhor, porque, embora eu nunca tivesse sido aluno brilhante, cumpria os ‘mínimos’ e não envergonhava ninguém. Era mesmo para me preparar para a vida e, se com algumas moedas eu contribuísse para ajudar a comprar o pão… Então aconteceu, uma manhã de Sábado, quebrando a rotina, ela levou-me à serralharia que havia ao pé da Escola Primária do Vale Escuro. Aquela mesma onde eu tinha acabado a 4ª classe. Ao aperceber-me do que se passava, fiquei receoso de ser visto por algum dos meus colegas de escola… Mas não apareceu ninguém e lá entrámos na serralharia, acolhidos pelo som estridente de uma serra eléctrica a cortar uma tábua. A primeira impressão foi assustadora; o ar cheio de pó de madeira, serradura a cobrir o chão como se de um manto de neve amarela se tratasse, cheiro a diluentes ou resinosas… Veio acolher-nos um senhor forte, barba mal feita, de fato-macaco cinza sujo, com mãos grandes e peludas e um sorriso largo e afável – “Então, é este o rapazolas?!” “Bem vindo!” – “Bom dia…”. Naquele momento fiquei com a certeza de que a conversa da minha Mãe, no outro dia, não tinha sido para as nuvens. A minha Mãe sempre foi mulher de palavra e acção… Senti que, de alguma maneira, a minha vida ia mudar dali para a frente… Trocaram-se algumas palavras entre a minha Mãe e o Sr. que mandava na serralharia e ela foi-se embora, tendo eu ficado às ordens dele. As tarefas confiadas foram simples e parcas; varrer o chão, apanhar a serradura, encher sacos de serradura para os clientes que ali iam tratar de outras coisas e levavam, também, uma “cama” para o cão ou o gato… Tão simples e parcas que, após o choque inicial e o entusiasmo que se seguiu, pela nova e inesperada responsabilidade, sucedeu-se o aborrecimento e o enfado pelos largos momentos sem nada fazer, senão observar o trabalho dos outros serralheiros, uma ou duas figuras enfiadas nos fato-macaco e envoltas numa nuvem de pó e de indiferença. No fim do dia, despedi-me “até ao próximo Sábado” e nunca mais voltei… Dois anos depois, estava a dar novamente os meus primeiros passos no trabalho, agora num talho, no Mercado Chão de Loureiro, para nunca mais parar de trabalhar…